Sunday, August 12, 2007

A Função do auto-conhecimento em Rousseau

Rousseau é festejado na filosofia como um pensador da política e da moral, e longos discursos surgem desta temática, na qual apresentam a doutrina do genebrino seguindo a fórmula da “natureza do governo”, a “natureza do corpo social”, a “origem do mal”, etc.. Não se esgota o esforço filosófico para pôr e contrapor os argumentos de Rousseau dentro de uma possível explicação da ordem social e política. Contudo, outras características iluministas podem ser exploradas em Rousseau, sem necessariamente, negar os projetos políticos. O que cautelosamente incluo no discurso rousseauniano é um enfoque que, inicialmente, chamo de ideal de auto-conhecimento.
A inspiração para este enfoque numa obra tão vasta, e numa leitura que nos seduz pela linguagem, apresenta-se logo no início da obra Emílio – “Tudo está bem quando saí das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre às mãos do homem” (Emílio, p. 7). Como bem disse Cassirer (1994): “Deus é desculpado e a responsabilidade dos males cabe unicamente aos homens (...) A teória ético-política de Rousseau situa a responsabilidade num lugar onde, até então, ninguém imaginara sequer procurá-la”. Contudo, não é aceitável a conclusão de Casirrer ao negar a responsabilidade ao homem individual, e imputá-la a “sociedade humana”. Atribuindo uma abstração social que não é comum em Rousseau. A sociedade formar-se-á a partir da oposição de interesses particulares, e o acordo destes interesses no que é possível; ou seja, a vontade geral surge da comunhão de interesses particulares. Atribuir a sociedade, aquilo que é responsabilidade do homem, é retirar o peso que é devido ao indivíduo na condução dos seus sentimentos e pensamentos. Além disso, Rousseau explicitamente atribui uma relação entre homem e sociedade, e não cabe reduzir um ao outro, “é preciso estudar a sociedade pelos homens, e os homens pela sociedade; quem quiser tratar separadamente a política e a moral nada entenderá de nenhuma das duas” (Emílio, p.325). Contudo, o primeiro homem a ser fruto de observação é a si próprio, considera a sociedade ou o outro, como responsáveis pelos problemas do grupo, é evitar solução práticas e desviar do alvo.
O autoconhecimento, neste trabalho, será tomado em duplo sentido: na dicotomia entre razão e consciência. O primeiro destes sentidos é o conhecimento do homem, tendo a razão como um instrumento de aquisição de verdade sobre si próprio e sua relação com o meio e com o outro. Do ser que se questiona do lugar que ocupará na sociedade, pois este julgamento irá marcar o seu caráter através da prevalência de “paixões doces ou cruéis” (Emilio, p.324). Poderia dizer que o autoconhecimento do homem na sociedade dá-se através da razão, na capacidade do homem tem de distinguir, comparar e julgar. Anterior a este estar no mundo, é preciso tomar o autoconhecimento como um retorno aos sentimentos mais íntimos e inatos, condição só possível através da consciência. Como bem poetiza Rousseau uma voz interna capaz de ouvir no fundo do coração do homem os desígnios divinos. Retorno ao sentimento interior será capaz de determinar o estado de natureza ou o homem essencial como bem explica Guéroult1:
“¿Como determinar esse estado de naturaleza u hombre essencial? Dirigiéndose al sentimiento interior no adulterado, descartando todo lo adventício e perverso que há podido intoducir la vida social, escuchando la zvoz de la pura conciencia, que es la voz misma de la naturazela” (p.149)
e
O autoconhecimento permite um equilíbrio entre o sentimento e a razão, enquanto faculdades indispensáveis para o homem civil. Percebe-se que o autoconhecimento, sociedade, religião e ciência não estão dissociados na filosofia de Rousseau, cabe então estudá-los profundamente e suas relações. Rousseau não se restringe ao sensualismo do século XVIII, tal como Hume. Aproxima-se muito mais de Condillac que “insiste na simplicidade da natureza da alma, onde se deve procurar, (...) o verdadeiro sujeito da consciência” (Cassirer, 1994). Não se restringe, mas não deixa de ter o espírito sensualista da época, côo revela o excerto abaixo:
“Com tudo o que entra no entendimento humano vem pelos sentidos, a primeira razão do homem é uma razão sensitiva; é ela que serve de base para a razão intelectual: nossos primeiros mestres de filosofia são nossos pés, nossas mãos, nossos olhos” (Emílio, p.148)
Rousseau, filósofo estrangeiro, revela sobre seus pares e sobre si: “ Aí estão, estrangeiros, desconhecidos, nulos em definitivo para mim, porque assim eles o querem. Mas eu, separado deles e de tudo, Quem sou? Isto é o que me falta descobrir” (Premiére promenade, p.1). É como existisse um ser além da vida moral, e revela logo adiante “O hábito de entrar em mim próprio, me fez perder o sentimento e quase a lembrança do mal, aprendi ainda pela minha própria experiência que a fonte da felicidade está em nós” (Seconde promenade, p.5). Lévi-Strauss abordou este “quem sou?” como um “Eu” epistemológico no qual Rousseau expressa que existe um outro de que se pensa em mim, e que me faz duvidar em primeiro lugar de que sou eu o que pensa. Esta tarefa só é possível, pois as respostas a esta pergunta não seria tão somente do cogito cartesiano, mas do ser que se sente. Assim expresso no Emílio: “Para nós, existir é sentir; nossa sensibilidade é incontestavelmente anterior à nossa inteligência, e tivemos sentimentos antes de ter idéias” (Emílio, p.410). Rousseau torna o “eu” tão certo de si, objeto estranho, não familiar, passível, como qualquer outro objeto, de pesquisa.
Um sujeito que foi moldado dentro de certas estruturas de educação e sociedade não poderia estar tão certo de si, já que o processo de aprendizagem foi alvo de severas críticas por Rousseau. Além das questões já apresentadas, propõe um conhecimento ou reflexão do processo educativo; que em última análise, considerando os homens prontos, já formados pelo sistema, seria uma crítica do próprio aprendizado. O que é educar? Para que? E para quem? Questionando os modelos de aprendizagem, que seria questionar a nós próprios enquanto pessoas constituídas de modelos viciosos.
A razão em Rousseau distingue o bem, mas não é capaz de amá-lo. Só a voz interior ou a consciência é capaz de tal ato; e não tem outro meio, é preciso voltar para dentro de si, “quanto mais me consulto, mais leio estas palavras escritas em minha alma: Sê justo e serás feliz”. Mas de que forma poderia relacionar a justiça que teria comigo mesmo, a justiça que poderia ter com um outro? Ser justo comigo, é diferente de ser justo com o outro. Aquilo que pressuponho justiça para mim, pode não ser para o outro. De que forma Rousseau resolve estas questões no seu processo de autoconhecimento. O sentimento de justiça é um determinante social ou é um sentimento intermediado pela piedade?

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